Anderson Luiz
Jéssica Nascimento
(AECA Ceunsp Ciência) “Família, família/Almoça junto todo dia”. Esses versos da banda Titãs podem ser considerados a síntese do que é apresentado pelo doutor Geraldo Fiamenghi, professor do curso de psicologia do Ceunsp em Itu, em seu artigo científico Rituais Familiares: Alternativas para a re-união das famílias, publicado na revista Psicologia: Teoria e Prática, da Universidade Mackenzie.
No artigo, o autor defende que a retomada dos rituais familiares é a única forma de consertar a estrutura familiar atual. “Não são sofisticados, são coisas simples. A família reunida para jantar já pode ser considerado um ritual familiar” disse o Fiamenghi.
Estamos vendo o organismo, considerado a base da sociedade, em um processo de decadência que se iniciou com o conceito de felicidade implantado pela mídia, no qual ser feliz está ligado à satisfação dos próprios desejos, sem levar em conta a vontade do outro. À isso, o pesquisador dá o nome de Civilização Umbilical, onde o “mundo” do indivíduo se resume ao seu umbigo. Conseqüentemente cada membro do conjunto familiar tornou-se individualista demais.
Porém, todo o discurso consumista imposto pelos meios de comunicação é apenas um dos constituintes do processo de decadência da estrutura familiar. Para o psicólogo, a entrada da mulher no mercado de trabalho também é um agravante, pois com o pai e mãe fora de casa o dia inteiro, a criança se sente sem nenhum vínculo afetivo.
“É preciso que os pais se lembrem que os filhos precisam deles por muito tempo” disse Fiamenghi. “Algumas mulheres não precisariam trabalhar, mas é melhor que trabalhem mesmo que não seja necessário e que deixem os filhos em algum lugar, pois existem mulheres que não possuem a menor condição de criar uma criança”.
Abusos e violência
São muitas as discussões que compõem o artigo sobre a re-união das famílias mas um ponto que merece um destaque diz respeito as condições financeiras. Para Fiamenghi a falta de dinheiro não significa que, necessariamente se terá uma má estrutura familiar. O que realmente pode abalar os vínculos de uma família são situações de violência e abuso, e o psicologo alerta: “Abusos não estão diretamente ligados ao estado de miséria, conheço famílias de classe média alta onde os pais abusam dos filhos”.
O autor vai além em seu artigo. Ele afirma que um fato comum nas reuniões de pais e mestres das escolas de classe média alta é a presença cada vez maior de empregados que, além de participar da vida escolar da criança, acabam tornando-se um dos poucos vínculos afetivos que muitas delas possuem. Mas para o especialista uma criança necessita --principalmente nos primeiros cinco anos de vida-- de um vínculo estável e o vai e vem do mercado de trabalho não permite que esses laços criados entre os filhos dos patrões e os empregados se estabilizem.
Hoje é muito comum ouvir duras críticas à postura dos jovens da atual geração mas, para Fiamenghi, essa apatia e esse conformismo com a realidade atual são frutos da educação que os pais --que nas décadas de 60 e 70 eram filhos-- receberam.
Segundo o texto para reverter essa situação é necessário que os pais passem por um processo de recuperação da educação, onde possam entender as dificuldades de ser pai. “É essencial a conversa com outros pais para que as pessoas possem compreender o significado de se ter um filho” disse o professor do Ceunsp.
Hábitos simples
E então surge a questão de como preservar ou recuperar as relações humanas dentro da família.
Para o pesquisador os mais simples hábitos que constituem a realidade familiar são a solução do problema: jantar em família, visitas à casa dos avós em finais de semana, confraternizações de Natal e até mesmo situações corriqueiras, como cantar uma canção de ninar ou ler uma história para a criança são formas de se estreitar as relações humanas. Segundo o psicólogo são nesses rituais familiares que os valores essenciais para a formação de um indivíduo são transmitidos. Fiamenghi acredita que os chamados pit-boys são entre outros motivos, resultado da falta de se ensinar a criança a dizer as chamadas “palavras mágicas” como “por favor” e “muito obrigado”.
A existência desses rituais são de tal importância que até crianças órfãs sentem falta dessa rotina. Mesmo sem uma família elas estão acostumadas à realidade do abrigo onde vivem e desenvolvem seus vínculos sentimentais no convívio com os colegas e com os responsáveis pelo local.
E isso não muda com uma criança filha de pais separados; as necessidades continuam sendo as mesmas. Com o divórcio, os pais devem se organizar para garantir a estabilidade emocional dos filhos. “O tempo é mais escasso, mas se a criança está acostumada a ir em uma determinada reunião de família isso não deve mudar”, defende o professor.
Manter pequenos hábitos podem salvar a estrutura de uma família e também ajudar no combate ao stress. Segundo Fiamenghi, se um indivíduo puder contar com a presença dos familiares nos finais de semana para fazer algo divertido, isso alivia a tensão do dia dia. “Com isso a pessoa consegue entender que ela não é o única a passar por determinadas dificuldades, mas manter essa rotina deve ser um prazer e nunca uma obrigação”, lembra.
Para o pesquisador o primeiro passo para a retomada da estrutura familiar são as pessoas voltarem a conversar e garantir vínculos reais para as crianças, que hoje estão acostumadas apenas aos relacionamentos das redes sociais, que não são o suficiente. “Se um bebê não tiver contato físico com outro indivíduo, ele morre”, disse Fiamenghi.